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quarta-feira, 21 de abril de 2010

[Parte 02] Inerrância e Ressurreição: Tradição oral e os Evangelhos - William Lane Craig


O Artigo original tinha como título "Inerrância e Ressurreição". O mesmo foi dividido em partes e postado separadamente como respostas às algumas perguntas levantadas sobre o debate entre William Lane Craig & Bart D. Ehrman.

PERGUNTA:
A mensagem de Jesus foi espalhada de forma oral até que os evangelhos foram escritos. Como sabemos que não se desenvolveram lendas tais como Jesus ter sido sepultado por José de Arimatéia?

DR. CRAIG RESPONDE:

Em meu artigo “Quem era Jesus?”, eu discuto cinco razões pelas quais podemos confiar na segurança geral dos evangelhos:

1. Não houve tempo suficiente para que influências lendárias anulassem o núcleo dos fatos históricos.
2. Os evangelhos não são análogos a contos populares ou “lendas urbanas” contemporâneas.
3. A transmissão judaica de tradições sagradas era altamente desenvolvida e confiável.
4. Havia restrições significativas para o embelezamento de tradições sobre Jesus, como a presença de testemunhas oculares e a supervisão dos apóstolos.
5. Os escritores dos evangelhos têm um comprovado registro de confiabilidade histórica.

Eu não repetirei aqui o que disse naquele artigo.

Em adição a essas considerações gerais, estudiosos têm enunciado certos “critérios de autenticidade” para ajudar a detectar informações historicamente confiáveis sobre Jesus mesmo em um documento que não seja confiável de forma geral. Os critérios dizem respeito ao efeito de certos tipos de evidência sobre a probabilidade da real ocorrência de várias declarações ou eventos narrados nas fontes. Para uma declaração ou evento S, uma evidência de um certo tipo E, e uma informação explicativa B, o critério declararia que, se todos os elementos forem iguais, Pr (S|E&B) > Pr (S|B). Em outras palavras, se todos os elementos (S, E e B) forem iguais, a probabilidade de algum evento ou citação é maior, por exemplo, devido à sua atestação independente mais antiga do que seria sem ela.

Quais são alguns dos fatores que poderiam servir como E, aumentando a probabilidade de que alguma citação ou evento S realmente tenha ocorrido? Os seguintes são alguns dos mais importantes:

1. Congruência histórica: S concorda com fatos históricos conhecidos sobre o contexto no qual se diz que S ocorreu.

2. Atestação antiga independente: S aparece em múltiplas fontes que são próximas da época em que se diz que S ocorreu e que não dependem nem entre si nem de uma fonte comum.
3. Vergonha: S é constrangedor ou contraproducente para as pessoas que servem como a fonte de informação sobre S.
4. Dissimilaridade: S é diferente das formas antecedentes de pensamento judaico e/ou diferente de formas de pensamento cristão subsequentes.
5. Semitismos: vestígios de formas linguísticas aramaicas ou hebraicas na narrativa.
6. Coerência: S é consistente com fatos já estabelecidos sobre Jesus.

Note que esses critérios não pressupõem a confiabilidade geral dos evangelhos, mas enfocam uma particular citação ou evento e dão evidência para crer que elementos específicos da vida de Jesus são históricos, a despeito da confiabilidade geral do documento no qual a citação ou evento em particular é relatada. Esses mesmos critérios são então aplicáveis aos relatos de Jesus encontrados nos evangelhos apócrifos, ou escritos rabínicos, ou mesmo o Alcorão. É claro, se os evangelhos podem ser mostrados como documentos confiáveis de forma geral, muito melhor! Mas os critérios não dependem de tal pressuposição. Eles ajudam a localizar consistências históricas em meio a lixo histórico. Assim, nós não precisamos nos preocupar em defender a confiabilidade geral dos evangelhos ou cada declaração atribuída a Jesus nos evangelhos (muito menos sua inerrância!).

Agora, especificamente a respeito do sepultamento de Jesus por José de Arimatéia, esse é um dos fatos mais bem estabelecidos sobre Jesus. O espaço não me permite ir além em todos os detalhes da evidência para o sepultamento. Mas deixe-me apenas mencionar alguns pontos:

Primeiro, o sepultamento de Jesus é multiplamente atestado em fontes extremamente antigas e independentes. O relato do sepultamento de Jesus em um sepulcro por José de Arimatéia é parte do material-fonte de Marcos para a história de Paixão. Além disso, a fórmula citada por Paulo em 1 Coríntios 15:3-5 se refere ao sepultamento de Jesus:

… que Cristo morreu por nossos pecados de acordo com as Escrituras, e que ele foi sepultado, e que ele foi ressurreto no terceiro dia de acordo com as Escrituras, e que ele apareceu a Cefas, e então aos doze.

Mas, podemos pensar, o sepultamento mencionado na fórmula foi o mesmo evento do sepultamento por José de Arimatéia? A resposta a essa questão é esclarecida por uma comparação da fórmula de quatro linhas com as narrativas do evangelho e com os sermões nos Atos dos Apóstolos:

I Coríntios 15.3-5
Atos 13.28-31
Marcos. 15.37-16.7
Cristo morreu. . .
E, embora não achassem alguma causa de morte, pediram a Pilatos que ele fosse morto.
E Jesus, dando um grande brado, expirou.
Ele foi sepultado. . .
Tirando-o do madeiro, o puseram na sepultura.
E ele [José] comprou um lençol de linho fino e, tirando-o da cruz, o envolveu nele, e o depositou num sepulcro.
Ele foi ressurreto. . .
Mas Deus o ressuscitou dentro os mortos.
"Já ressuscitou, não está mais aqui; eis o lugar onde o puseram."
Ele apareceu. . .
E ele por muitos dias foi visto pelos que subiram com ele da Galiléia a Jerusalém, e são suas testemunhas para com o povo.
"Mas ide, dizei aos seus discípulos e a Pedro, que ele vai adiante de vós para a Galiléia; ali o vereis."

Essa notável correspondência de tradições independentes é uma convincente prova de que a fórmula de quatro linhas é um sumário em forma de esboço dos eventos básicos da paixão e ressurreição de Jesus, incluindo seu sepultamento no sepulcro. Assim, nós temos evidência de duas das mais antigas e independentes fontes do Novo Testamento para o sepultamento de Jesus no sepulcro.

Mas isso não é tudo! Pois mais testemunhos independentes do sepultamento de Jesus por José de Arimatéia são também encontrados nas fontes por trás de Mateus e Lucas e o evangelho de João, sem mencionar o evangelho extra-bíblico de Pedro. As diferenças entre o relato de Marcos e o de Mateus e Lucas sugerem que estes tinham fontes diferentes das de Marcos. Essas diferenças não são plausivelmente explicadas como sendo as mudanças editoriais de Mateus e Lucas nos escritos de Marcos por causa de sua natureza esporádica e desigual, a inexplicável omissão de eventos como a interrogação do centurião por Pilatos e as concordâncias na escrita entre Mateus e Lucas em contraste a Marcos. Além disso, nós temos fontes independentes para o sepultamento de Jesus no evangelho de João. Finalmente, nós temos os primeiros sermões apostólicos no livro de Atos, que provavelmente não são totalmente criação de Lucas, mas preservam as primeiras pregações dos apóstolos. Essas também fazem menção do enterro de Jesus em um sepulcro. Assim, nós temos o notável número de pelo menos quatro ou talvez mais fontes independentes para o sepultamento de Jesus, algumas das quais são extraordinariamente antigas.

Segundo, como um membro do Sinédrio Judeu que condenou Jesus, é improvável que José de Arimatéia seja uma invenção cristã. José é descrito como um homem rico, um membro do Sinédrio Judeu. O Sinédrio era um tipo de corte suprema formada pelos setenta dos homens líderes do Judaísmo, que presidiam em Jerusalém. Havia uma compreensível hostilidade na igreja primitiva para com os Sinedristas judeus. Aos olhos cristãos, eles haviam projetado um assassinato judicial de Jesus. Os sermões em Atos, por exemplo, vão a ponto de dizer que os líderes judeus crucificaram Jesus! (Atos 2.23,36; 4.10) Dado este status de um Sinedrista — todos os quais, segundo Marcos, votaram por condenar Jesus —, José é a última pessoa que alguém esperaria que cuidasse apropriadamente de Jesus. Assim, nas palavras do estudioso do Novo Testamento Raymond Brown, o enterro de Jesus por José é “bastante provável,” uma vez que é “quase inexplicável” o porquê de cristãos inventarem uma história sobre de um Sinedrista judeu que fez o certo para com Jesus.
Por essa e outras razões, a grande maioria dos críticos do Novo Testamento concorda que Jesus foi sepultado por José de Arimatéia em um sepulcro. Uma vez que até mesmo Ehrman afirma isso, porque você não?

WILLIAM L. CRAIG RESPONDE PERGUNTAS IMPORTANTES SOBRE O DEBATE

1 comentário

Silvio disse...

Imaginemos a seguinte situação: José entra em uma sala escura. José pergunta se há alguém na sala. Ninguém responde. Do fato de ninguém responder a pergunta de José, segue-se necessariamente que não há nenhuma pessoa na sala? O fato de ninguém responder é uma evidência de que não há ninguém na sala? Se entendermos o conceito de evidência como tendo implicação com consequência necessária e certeza, então o fato de ninguém responder a pergunta de José não é uma evidência. Contudo, podemos dizer que o silêncio é um indício forte de que não há nenhuma pessoa na sala, mas esta não é uma consequência necessária, pois é possível que exista alguém na sala, mas que não tenha respondido a pergunta de José nem tenha feito qualquer barulho. Portanto, o fato de não haver ninguém na sala cairia sob o conceito de indício, e este pode indicar uma probabilidade alta ou baixa de ocorrência de algo. Porém, não deve ser entendido como uma evidência, no sentido que apresentei.
Considerando, o que eu disse acima, defendo que o correto é falar de indícios e não de evidências históricas no que se refere à ressurreição. Logo, penso que podemos dizer que há evidências de que Jesus tenha sido crucificado, morto e sepultado. Contudo, se considerarmos a relação entre sepulcro vazio e ressurreição, então podemos dizer que o primeiro evento é um indício para o segundo evento, mas não é uma evidência. Além disso, se levarmos em conta que as fontes não são imparciais, a força do indício tende a diminuir.
Outro ponto controverso é a tese da independência das fontes, descrita no critério 2 de E. Em que sentido poderíamos dizer que os evangelhos, os atos dos apostólos e as cartas de Paulo são independentes entre si? Até onde se sabe, os evangelhos existentes são posteriores às cartas de Paulo e que é muito provável uma relação direta ou indireta entre Paulo e os autores dos evangelhos e dos atos. Neste caso, a independência seria análoga à independência entre Pai coruja e seu filho, em que temos corpos independentes, mas dependência afetiva e intelectual. Por fim, a teoria das fontes independentes parece ter um caráter de hipótese ad hoc, o que, mais uma vez, contribuiria para diminuir a força cognitiva do indício.

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